quinta-feira, 15 de julho de 2010

Viagem...



Nas últimas duas semanas de Julho de 2009, o Rancho Folclórico da Casa do Povo de Glória do Ribatejo, esteve presente na Europeada 2009, em Klaipeda, Lituânia.
Foi sem dúvida uma viagem que exigiu um enorme esforço por parte de todos os elementos presentes, mas muito gratificante quando se sente que se está a representar o nosso país e principalmente a nossa terra. É essa a nossa grande recompensa, o facto de sentirmos que estamos a contribuir para a divulgação da cultura gloriana.
Com o objectivo da promoção e convívio entre culturas europeias, estes encontros realizam-se todos os anos em países diferentes e juntam variadíssimos grupos de folclore (e não só) de todos os cantos do velho continente.
Pois bem, este ano estaremos em Bolzano, Itália, do dia 21 a 25 de Julho.
Será certamente uma viagem de muito convívio, alegrias e muitas descobertas. Para além disso daremos o nosso melhor e esperamos deixar bem patente um recanto, muito rico em tradições, do nosso Portugal, que é a Glória.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A História, A Terra, As Gentes

“Em séculos que o tempo devorou, tudo era coutada à sua volta, num mato arrogante onde os homens mergulhavam e se perdiam.

A caça ali tinha os seus domínios e os escassos humanos que por lá viviam eram mais caçadores que camponeses.

A reis e príncipes não passou o local para suas excursões cinegéticas.

E de Santarém a Salvaterra, ali vinham com grande tropel de cavalos abater porcos-monteses…

D. Pedro, apaixonado por aqueles exercícios e encontrado hábeis concorrentes nos caçadores locais, proibiu-lhes a matança da sua caça predilecta, mas em troca concedia à Glória uma carta a mercês, fomentado a agricultura e a pecuária com facilidades de terrenos e pastos…

Então vieram guardas-coiteiros que aumentaram o número de povoadores…

Com a repressão, os glorienses voltavam-se para a charneca, trocando as armas pelo arado, e revolveram-lhe as entranhas, lançando sementes na promissão de colheitas compensadoras…

A propriedade era limitada pelo trabalho – quem mais desbravasse, mais possuía…

A terra era de todos.

E a nova gente chegava atraída pelas facilidades de fixação.

Outra mercê de que ignoro o doador, nem por informações consegui determinar, isentava da militança os homens da Glória. Fugidos à lei da guerra, ali se acolhiam para trabalhar…

Contam os velhos, nas suas recordações de mocidade, que na igreja havia uma pedra onde tal ordem se gravava e que dali levaram não sabem para onde.

Assim, a Glória, nos seus prováveis sete séculos de existência, teria recebido primeiro ribatejanos e alentejões, para a vida da caça, e, depois da mercê de D. Pedro I, gente da Beira arrastada pelas concessões de el-rei para a cultura da charneca…

A Glória, situada numa região plana, e como tal mais aberta a infiltrações de povos, não tem um tipo definido de habitantes. Nela predomina, entretanto, o homem de rosto moreno, cabelo negro e estatura média, semelhantes à raça líbia-fenícia. O tipo louro é também vulgar..

…essa raça fixou-se principalmente nas costas do nosso país e é nas classes piscatórias onde se encontram com maior frequência as características que a distinguem…

Vejamos como podiam ter vindo para a Glória e quais os pontos de semelhança com essas populações do litoral. Assim, o topo de casaco, a saia de muita rosa, a cinta, os pés descalços e o uso da saia pela cabeça e costas, constituem excepções aos hábitos da camponesa do Ribatejo. São antes cosntumes vulgares nas mulheres da Beira Litoral. O maior número destes impunha, como é natural, trajes e costumes, mas assimilava, entretanto dos primeiros povoadores, alguns outros mais fagueiros ao seu espírito. Desta interdependência saíram as regras e os hábitos a comunidade.

Enquanto o cingeleiro permanece na Glória conduzindo o seu gado e cultivando a sua terra, fechado a influências estranhas, o trabalhador rural vai para as lezírias, para as regiões da grande cultura, e ali entra em contacto com outros trabalhadores de que recebe infiltrações.

Na sua índole o gloriense é reservado e frio ao primeiro contacto, mas franco e acolhedor, hospitaleiro e bom, se mais na alma lhe penetramos…

São pacíficos, pouco brigões, o que amplamente se exemplifica com a nula percentagem de criminologia entre eles…

As poucas refregas que se davam, decididas a varapau, em cuja esgrima são mestres, desapareceram…

Todos se auxiliam, não sendo raras as provas de solidariedade prestadas a viúvas e órfãos de companheiros de trabalho…

As mulheres, nos campos para onde vão trabalhar, exigem quartéis separados, escolhem locais de faina também distantes dos outros ranchos e dançam à parte. Mas a justificação dessa desconfiança encontra-se nos seus costumes. É que, sendo tabu entre glorienses casar com gente de outras terras – e raras são excepções – evitam por todos os meios que o fogo se ateie, erguendo essas barreiras que os isolam…

Uma alta expressão do cuidado das glorianas, assim se apodam, está nas toucas e vestidos dos seus filhinhos. Qualquer touca vulgar é engrinaldada de dois e três franzidos, e o restante coberto de bordados vários. Nelas se esmeram, pondo-lhe na confecção toda a sua arte apurada…

A dança na Glória é muito cultivada. O vira, o fandango, o verde gaio, o bailarico, a remexida e a valsa serena têm a sua predilecção. Os glorienses dançam ao som do harmónio, da concertina, da guitarra, da gaita de curra-beiços ou da flauta…

Preferem as danças de enlaçamento, e de entre elas a remexida vertiginosa e impulsiva…

Os que ficam sem rapariga estão à volta, e, quando lhes apetece, afastam outro, tomando-lhe o par…

As cachopas não gostam que os seus pares se apurem na dança com requebros exagerados e passos que chamen a curiosidade da assistência.

Abandonam-nos no terreiro, fogem-lhe e exclamam:

- Cheta, cão!...

E eles galhofam e tetam arrastá-las para a vertigem das remexidas ou a suavidade das valsas serenas…

E é assim este povo admirável, que quer ser feliz e o merece.

Os seus pesares e lutas, folguedos e amores, o fazem poeta. Primeiro que outros o cantassem, ele se cantou…”

Não venho aqui para dar vivas,

Nem mesmo pra dar vitória,

Venho aqui pra agradecer

À Senhora da Glória.

Semeei, não apanhei

Milho miúdo n’areia

Quem semeia não apanha

Que fará quem não semeia.

In Alves Redol, Glória Uma Aldeia do Ribatejo