quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A Praça

A Glória foi, até há pouco tempo, uma comunidade quase exclusivamente rural, pelo que a praça teve uma importância bastante significativa na vida desta comunidade.
Tratava-se de uma circunstância de grande dinâmica, pois aí se decidia a vida das três ou quatro semanas seguintes. Ir trabalhar para este ou para aquele, ganhar mais cinco escudos ou menos cinco escudos, eram condições bem pensadas e bem negociadas. Era, por isso, um momento em que toda a gente (os que iam trabalhar e os que não iam) se juntava na rua: as mulheres, em grandes magotes, no “Largo da Praça”, os homens, dentro das tabernas ou à porta, também em grandes grupos. A capataza “falava” às mulheres, o capataz, aos homens.
Ao Domingo à noite, começava a reunião que se prolongava pela tarde de segunda-feira, agrupando-se os seus elementos, por hierarquias. As cachopas juntavam-se por mocidades, as mulheres casadas formavam outros grupos, o mesmo acontecendo relativamente aos homens. Para os cachopos, este era um momento privilegiado para a brincadeira, “furando” por entre os magotes, puxando os lenços e as saias às mulheres. O ambiente proporcionava-se ao uso, por parte das solteiras, de “roupas bonitas”: casaquinhos bem empregueados, aventais novos. As mulheres casadas punham toda a sua luxúria nas roupas dos meninos que traziam ao colo: vestidinhos marcados, toucas engalanadas.
A escolha deste ou daquele patrão tinha origem em vários factores, mas o que mais contava era o preço da jorna. Contudo, havia outras condições que entravam em linha de conta, como as camaradas, a duração (por semanas), o divertimento, o quartel, etc.. O contrato, (sempre verbal) selava-se com a molhadura.
Para os homens, meio litro de vinho, as mulheres davam-se a pequenos capricho
s. Para elas, a simbólica molhadura era representada por uma meada de linha para marcar (cor-de-salsa, cor-de-laranja, cor-de-rosa, cor-de-lírio), de entre muitas que se encontravam numa caixinha de cartão e que a capataza dava a escolher. Em jeito de exibicionismo, as raparigas pregavam no avental ou no casaco duas ou três molhaduras, divulgando dessa forma as suas qualidades, já que cada molhadura representava um contacto ou um contrato.
Assim, até à escolha final do patrão, a praça durava at
é à tardinha de segunda-feira, podendo ver-se, pelas ruas, as mães com os farnéis já aviados, à cabeça, enquanto as raparigas aproveitavam os últimos momentos, antes duma ausência que podia ser de três ou quatro semanas.


Texto de Rita Cachulo Pote (Março/2007)
Recolha Colectiva (Rancho Folclórico da Casa do Povo de Glória do Ribatejo)