domingo, 12 de dezembro de 2010

O Ti Bruxa


Desde sempre, em todas as comunidades, houve pessoas que se impuseram, por uma razão ou outra, mesmo involuntariamente, tornando-se figuras carismáticas, em torno das quais, as sociedades organizavam costumes, atitudes, modos de estar.

Na Glória, houve também algumas destas personagens: o ti Bruxa, cuja vivência foi tão marcante, que chegou até aos nossos dias.

António Alexandre Monteiro nasceu em 1896 e faleceu em 13 de Abril de 1974, curiosamente, duas semanas antes do 25 de Abril. Dos seus longos 78 anos, conta-se, segundo a sua filha mais velha (hoje com 89 anos) uma infância humilde, como a de qualquer criança da sua condição, a que deve acrescentar-se uma particularidade – o medo das bruxas. Daí resultaria a sua alcunha que se estenderia a toda a família, até aos nossos dias.

Homem de estatura bem constituída, o ti Bruxa viria a revelar dotes invulgares para a música, tornando-se, sem favor, um exímio tocador de harmónio. A sua “habilidade”, aliada à raridade de instrumentos que caracterizava a época, depressa fizeram dele uma figura querida entre toda a gente, principalmente, dos mais jovens, que não tinham outra fonte artística senão as vozes femininas e as gaitas de beiços, uma ou outra guitarra. O harmónio era um luxo para o tempo.

Era de tal forma contagiante a sua expressividade que, em sua própria casa, tocava para a família, filhos e filhas, dançando com a mulher, ao mesmo tempo que tocava (segundo testemunhos dos filhos).

Esse protagonismo faria com que os capatazes facilmente arranjassem umas boas dezenas de trabalhadores, no caso do ti Bruxa estar incluído no grupo (ainda que o preço da jorna fosse mais baixo).

A sua actividade, enquanto tocador, foi intensa e longa, não tendo conta o número de bailes que realizou, quer na rua, debaixo do chaparrão ou nos trabalhos.

Tocou, ainda, no Rancho da Glória (foi o primeiro tocador do Rancho), tendo-se deslocado em 1956 à Feira do Ribatejo, a Santarém, onde (segundo testemunho de um filho) Celestino Graça teria feito uma gravação, cujo destino desconhecemos. Sabe-se que continuou no Rancho, por mais algum tempo, ficando, nas instalações da Casa do Povo, o velho harmónio do ti Bruxa.

Estamos convencidos de que a maior parte do repertório que este grupo hoje apresenta foi transmitido, directamente, sem interrupções temporais, através deste homem, que nos deixou, por isso, um legado importantíssimo, bem como alguns discípulos, como, por exemplo, Narciso Sousa, tocador de gaita de beiços. O seu talento pode atestar-se, ainda hoje, através de uma gravação rústica, efectuada pelo próprio, já no fim da vida.

Recolha de Alexandra Dias e Rita Cachulo Pote (Maio / 2007)

Informadores: Filhos do Ti Bruxa