quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Lenços dos Namorados




Prendas de Namorados
De entre os hábitos caraterísticos que se podiam observar nos glorianos, há alguns que, pela sua singularidade, merecem ser estudados e divulgados. É o caso das prendas que os namorados trocavam entre si, como forma simbólica de selar o seu compromisso. A época a que nos referimos (finais do século XIX, até às décadas de 60, 70 do século XX) pode parecer demasiado recente, mas, se tivermos em conta a lenta evolução que esta sociedade sofreu até há pouco tempo, apercebemo-nos de que a influência da industrialização, nesta altura, em determinadas áreas da vida, era mínima e, por conseguinte, esses costumes permaneceram inalteráveis, desde tempos mais remotos.
Assim, no momento em que se consideravam “um para o outro”, a rapariga confecionava um conjunto de peças de uso “vulgar” com que brindava o namorado: o taleigo do farnel, a bolsa do relógio, a carteira, a charteira, o lenço de assoar e os lenços para usar no traje. O curioso é que estas peças de vulgar nada tinham. Qualquer uma delas era extraordinariamente embelezada com motivos a ponto de cruz, como, por exemplo, coroas (o pinto, a coroa dos corações, a coroa das estrelas, etc.), ramos (da sobreira torta, das bonecas, das pombas, etc.), o navio, cercaduras, estrelas e letras que representavam as iniciais dos nomes dele e dela, bem como as dos “camaradas” de ambos. Os motivos mais antigos marcavam-se a duas cores – azul e encarnado ou verde e encarnado. Mais tarde, a partir da década de 40, verifica-se algum progresso em relação às cores e aos motivos. Desta época, existem muitos exemplares, marcados a cor-de-rosa e verde, cor-de-rosa e azul, cor-de-laranja e cor-de- lírio, amarelo e cor-de-rosa, etc. Já surgem rosas, cravos, cravinas e muitas iniciais, artisticamente combinadas. Nesta altura, estes lencinhos são tão profusamente decorados, que quase não resta pano em branco.
Quando e como eram usados?
O “lenço de assoar” andava escondido e usava-se todos os dias. Os de usar no traje eram cuidadosamente dobrados em quatro pontas ou em forma de coração, evidenciando os biquinhos que rematavam a borda do lenço e usavam-se à frente, na cinta ou nos bolsos. Semelhantes eram os das raparigas, usados, principalmente, ao domingo, também na cinta ou na cintura, ligeiramente à esquerda ou à direita.
Resta referir o lencinho “à pacha”, usado no dia de ir “às sortes”. Este era um lencinho mais pequeno, também dobrado em quatro pontas e colocado no bolso esquerdo do colete, por baixo da bolsa de relógio. Normalmente, os motivos eram marcados a dois fios, o que tornava a peça mais preciosa. Este pormenor era bastante significativo, pois, quanto mais prendada fosse a rapariga, (e isso examinava-se pelos seus dotes de costura) mais merecedora seria do namorado e da sua família.
Em contrapartida, o rapaz oferecia também, à rapariga, pequenas prendas. Bastava uma “navalhinha bonita” para fazer a felicidade dela. Mas havia muitos rapazes que faziam questão que a sua namorada evidenciasse, de forma bastante expressiva, a sua ligação. Desse modo, ela recebia várias alianças de prata, cravadas de pedrinhas às cores que, no conjunto, produziam um certo efeito exibicionista. Alguns ofereciam também peças em ouro (um anel, uma pregadeira).
Mais tarde, e mostrando também as suas habilidades de artesão, ele confeccionava, pacientemente, algumas miniaturas (cestinhas, cadeirinhas, bolotas), feitas de pau de murtinheira, (com a ajuda de uma simples navalha), que ela usava ao peito, fazendo conjunto com um raminho de manjerico e a pequena moldura com o retrato dele.
Estes motivos talvez possuíssem, em si, algum simbolismo, já que eram sempre estes e não outros. Provavelmente, seriam uma espécie de promessa de futura vida conjugal, pois a cesta e a cadeira são objetos domésticos, de uso quotidiano, e a bolota é símbolo de alimento.

 
Texto: Rita Cachulo Pote




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